Vêm aí tempos <br>«muito turbulentos»

Os Estados Unidos, para onde milhões de africanos foram transportados à força, como escravos, ao longo de séculos, recusam-se hoje a receber refugiados de alguns países de África.

Para a presidente cessante da Comissão Africana, Nkosazana Dlamini-Zuma, discursando em Adis-Abeba, na 28.ª Cimeira da União Africana, tal proibição anuncia «tempos muito turbulentos» para o continente.

A dirigente discursou na abertura da cimeira, na segunda-feira, 30, já depois de o presidente Donald Trump ter assinado uma ordem executiva proibindo a entrada nos Estados Unidos de todos os refugiados por um período mínimo de 120 dias, de refugiados sírios indefinidamente e de cidadãos de sete países de maioria muçulmana durante 90 dias. Três dos países atingidos pela decisão discriminatória são africanos (Líbia, Sudão e Somália) e os outros quatro do Médio Oriente (Irão, Iraque, Síria e Iémen).

«O mesmo país para onde muita da nossa gente foi levada como escrava durante o tráfico esclavagista transatlântico decidiu agora proibir refugiados de alguns dos nossos países. O que fazer sobre isto? Certamente, este é um dos maiores desafios à nossa unidade e solidariedade», considerou Dlamini-Zuma.
Presente na cimeira da capital etíope, o novo secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, também criticou, embora sem nomear Trump, as decisões da administração norte-americana. «Os países africanos estão, a nível mundial, entre os que mais recebem refugiados e os que mais generosamente os acolhem. As fronteiras africanas permanecem abertas aos que necessitam de protecção, quando tantas fronteiras estão a ser fechadas mesmo em alguns dos países mais desenvolvidos do mundo», enfatizou, na sua intervenção perante os líderes africanos.

Guterres defendeu, em entrevista à Jeune Afrique, que «o peso da África na comunidade internacional deve ser reconsiderado». Declarou à revista: «O sistema de governação democrático a nível mundial não existe. A África é duplamente vítima do colonialismo. Primeiro, é uma vítima directa da colonização e das suas consequências em todo o continente. Depois, [é uma vítima] porque o sistema de governação mundial actual foi essencialmente concebido antes de os países africanos acederem à independência – eu falo com conhecimento de causa já que o meu País foi o pior neste domínio. Isto é válido para as Nações Unidas e o Conselho de Segurança, mas também para as instâncias financeiras internacionais e a gestão do comércio mundial. A África foi, em larga medida, marginalizada neste processo e tem hoje um papel bem inferior ao peso efectivo que ela representa na comunidade internacional. É uma questão que é preciso considerar muito seriamente».

Marrocos admitido
na União Africana


Os chefes de Estado reunidos em Adis-Abeba, aprovaram, em sessão à porta fechada, o pedido de adesão de Marrocos à União Africana.

Em 1984, Marrocos abandonou a Organização da Unidade Africana, fundada em 1963 e antecessora da União Africana, criada em 2002. A razão invocada na altura para a saída tinha sido a admissão da República Árabe Saaraui Democrática (RASD), cujo território é hoje ocupado ilegalmente por Marrocos.
A RASD, que é membro da União Africana, deu as boas-vindas a Marrocos. O ministro saarauí dos Negócios Estrangeiros, Mohamed Salem Ould Salek, evocou um «debate democrático», lembrou que Marrocos não colocou reservas ao princípio do reconhecimento das fronteiras saídas do colonialismo e afirmou: «Todos os estados, incluindo os amigos de Marrocos, declararam que trabalharão para que a RASD e Marrocos resolvam o problema» [da concretização do direito do povo saarauí à autodeterminação e à independência].

Antes da decisão, Ould Salek tinha considerado, numa conferência de imprensa na sede da organização pan-africana, que Marrocos queria aderir à União Africana para romper o isolamento em que se encontra em África e no seio das Nações Unidas, «por causa da sua política de ocupação».

Noutra decisão significativa, a 28.ª Cimeira elegeu Moussa Faki Mahamat à frente da Comissão Africana. O até agora ministro dos Negócios Estrangeiros do Chade substitui Nkosazana Dlamini-Zuma, que regressa ao seu país natal, a África do Sul, onde é apontada como uma potencial candidata a um cargo de liderança na República e no seu partido, o Congresso Nacional Africano (ANC), no poder.

Em Adis-Abeba, para presidente em exercício da União Africana, por um ano, foi eleito pelos seus pares Alpha Condé, da República da Guiné, que sucede ao chadiano Idriss Déby Itno.

 



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